Os Passadiços do Mondego tem oficialmente 3 entradas. Uma junto à Barragem do Caldeirão, outra a cerca de 500 metros da aldeia de Videmonte e, para quem não for suficientemente corajoso para fazer a subida imensa e ingreme da barragem, há uma outra perto da aldeia de Vila Soeiro que o evita. Estas são as entradas oficiais que fazem parte do percurso, controladas por funcionários camarários confortavelmente instalados dentro de casas de madeira. O percurso tem também um troço acessível para pessoas de mobilidade reduzida ao longo do qual não existem escadas. Ao longo dos 12 km existem casas de banho. É uma obra fantástica. Não só pela dimensão mas também pela concepção e planeamento estratégico de valorização do interior, o que não é comum neste país. Nas palavras da Patrícia, habitante de Videmonte, a obra está bem feita mas “tem coisas a mais”. Entendi nas palavras, coisas a que não estamos habituados e lembrei-me que este percurso não fica nada atrás da Rota dos Tuneis e das Pontes em La Fregeneda, dos nossos vizinhos espanhóis.
Entrámos pela Barragem do Caldeirão em direção a Videmonte.
Se esta é a direção oficialmente aconselhada porque a menos exigente,
contrariou bem a ideia que a descer todos os santos ajudam tal é a dimensão da
escadaria. Em sentido contrário o percurso é mais bonito disse-nos a Patrícia
que já os tinha percorrido nos dois sentido. Contamos lá ir outra vez para
comprovar isso.
No meio do caminho, deparamo-nos com dois conjuntos de colmeias distantes, discretamente posicionados por detrás de uma pedra enorme. Marcavam a aproximação à Quinta Dionísio. Mais adiante, sinais coloridos destacavam perfeitamente o local que exibia duas "entradas" abertas à serra. Uma delas ostentava o nome, enquanto a outra, uma porta semi aberta em tons de azul, exibia a inscrição "knock, knock, knocking on heaven's door" evocou-me os Guns N' Roses contrastando com a exuberância do verde circundante.
Num trecho de terreno abaixo do trilho, sem vedações ou
cães, sinais de acolhimento amistoso, deparamo-nos com a "casa das
abelhas", algumas colmeias desabitadas e uma sólida construção em madeira
a defender o interior dos rigores da serra. Decidimos por uma breve paragem
para fixar a imagem do local, que nos viria a surpreender cinco minutos depois
de continuarmos novamente ativos no trajeto.
Ao iniciar a descida em direção ao Engenho do Ribas, avistámos
o Pepe seguido do dono que puxava a mãe, Arlinda, por meio de uma corda longa.
Inicialmente, o animal causou-nos certa apreensão ao se aproximar sem permissão,
porém, rapidamente se acalmou quando o dono nos passou pedaços de pão ressesso.
"Tomem. Estiquem as palmas das mãos. Não tenham medo",
incentivou-nos. “Embora o medo seja uma coisa que não conseguimos evitar só
porque nos dizem”. Já com os animais entretidos, trocámos algumas palavras com
o Sr. Rui, habitante da aldeia dos Trinta, proprietário das colmeias e também da
paixão pelos seus burros, sentimento que não permite a estranhos montá-los. Vende
mel na “casa das abelhas” onde também tem uma pequena máquina de café para
aquecer as conversas com gente que por ali passa. E passam muitas. Algumas
deixam parte de si. Em 2020, uma jovem belga perdeu-se na serra e ali se
encontrou. Como agradecimento, deu cor ao lugar. A porta “tem lá tudo o que ela
experienciou enquanto esteve perdida”, disse-nos. “Até o pormenor da superlua
que a ajudou a ver melhor”. A quinta deve o nome ao pastor que lhe foi proprietário
antigo, que por já não ter saúde nem rebanho, deixou que o tempo o substitui-se
pelas abelhas. O lugar e o Mondego trouxeram novas gentes e ideias. Mirian, uma
emigrante na Holanda, retornava ao local para passar férias com seus dois
filhos, ambos com a síndrome de Asperger. O lugar proporcionava-lhes uma
intensidade emocional única, estabelecendo vínculos com amigos, que assim como
eles, tinham dificuldades de socialização. A magia do lugar revelava-se nas
emoções que ali afloravam e que alimentam o sonho de criar no espaço um projeto
educativo para crianças especiais.
O interior, onde até pinheiros nascem nas rochas, tem destas estórias deliciosas. Contadas por gentes que vivem o território, são genuínas, fascinantes e têm o poder de nos envolver. Quando nos cruzamos com estas pessoas, que se aprazem em compartilhá-las, saímos desses caminhos não apenas como visitantes, mas com o sentimento que lá ficou também um bocado de nós e vimos com ansiedade de lá regressar.
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