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Espigueiros do Soajo

Fomos a banhos ao Poço Negro quando de regresso parámos neste elevado afloramento de granito sem vento, em final de tarde. A calígula da Serra do Penedo fazia-se sentir ordenando a uma cerveja gelada.

Um drone sobrevoava baixo entre as edificações históricas registando ângulos de vista sobre o local, presença da modernidade a desafiar o simbolismo de um passado de rude labor. Do lado de fora do tosco muro que guardava os Espigueiros do Soajo, quatro potentes motas estacionavam na beira da estrada enquanto os proprietários, cada um com a sua diferente nacionalidade, se deixavam fotografar do alto entre as estruturas classificadas de interesse público. Tinham-se saído da Suíça para atravessar a Europa direito a Itália. O português (há sempre um) fazia as honras da casa apresentando-me os restantes amigos numa vaidade para quem a razão se lhe achega depois de sugerido o desvio para mostrar o que a sua terra tinha de orgulho.

O conjunto de vinte e quatro Espigueiros do Soajo, datados dos séculos XVIII e XIX, situados numa larga eira granítica, é um património que nos remete para a existência antiga de uma forte união comunitária das populações da região. Na periferia da vila, coabitam paredes meias com as casas modernas que lhes contrasta nessa ruralidade.

O espigueiro é um elemento da cultura popular galaico-portuguesa cuja função foi a secagem e protecção das espigas de milho. É uma estrutura de construção complexa que diferem consoante a região, mas estes, largos, de pequena altura e feitos inteiramente de pedra, ostentam duas cruzes de topo que sacralizam a guarda divina dos cereais, que as fotografias, a preto e branco, pretendem apenas tirar o foco do elemento electrónico e situar memórias que trago no coração.

Pese embora o objectivo turístico deste património e a valorização do território, a modernidade tem vindo a retirar-lhe o sentido histórico da ligação das gentes à terra tanto mais, pese embora as serras no horizonte, não existem ali elementos que os situem na história e contextualizem sentidos e os símbolos.

Sem negar a inevitabilidade do progresso, as melhores condições de vida e a importância que as pessoas, não dali, têm na passagem das memórias, seria importante para que essa ligação não se perca definitivamente, que no local se fizessem sentir relatos das gentes ou elementos fotográficos à época.

Para uma pessoa que gosta de fazer caminhos num Portugal profundo, como é o meu caso, nada como apreciar um espigueiro inserido numa preservada paisagem rural em que o seu simbolismo esmaga o acessório.










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