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Trilho do Canhão do Vale do Poio (Serra do Sicó)

O Canhão do Vale do Poio é uma das maiores formações fluviocársicas do País e a expectativa que levávamos em nada supunha aquilo que nos esperava.

https://pt.wikiloc.com/trilhas-trekking/canhao-vale-de-poio-alargada-62569071

O trilho PR7 das Terras de Sicó está originalmente marcado com uma distância de 9 km e uma diferença de altimetria de 221m. Face à riqueza de trilhos na zona, existem alternativas para todos os esforços. Nós estendemos um pouco mais esta distância num traçado alternativo, com uma subida exigente, mas valeu bem a pena.

Partindo da aldeia de Poios fomos fazendo a subida até ao ponto mais alto do percurso (360m), o Miradouro da Nossa Senhora da Estrela. Este troço com cerca de 2Km é o "menos" interessante do percurso mas marcadamente em floresta autóctone portuguesa,  adaptada às condições do terreno e do clima da serra. Com orientação no sentido dos ponteiros do relógio saímos do alcatrão e fomos sempre subindo em trilhos estreitos de mato rasteiro e estradão. 



O miradouro fica por cima do santuário cuja metade está cravada numa gruta, parte de uma grande pena, do maciço calcário que se estende para sul. Segundo a lenda, trata-se de um monumento construído por promessa de um pescador que, guiado por uma estrela, atracou naquele lugar em tempos ali navegável, há milhões de anos atrás. A Capela fica no alto da Serra dos Poios (Sicó) voltada para poente e mar. Dali avista-se a Lagoa da Senhora da Estrela que servia de ponto de lavagem e descanso aos peregrinos.  





Daqui seguimos sempre a contornar o sopé da pena direito ao sul com a companhia, lá em baixo, da aldeia de Poios , até encontrarmos o caminho largo de terra batida que nos levaria à aldeia de Covão das Favas logo ali. Estranho nome de aldeia já que nem fica num covão nem vimos favas nesta altura de planteio.








A saída desta aldeia faz-se por estradão e terra batida direito à aldeia de Mocitas de Santo Amaro. São cerca 2 km em que a vegetação muda radicalmente para terrenos de cultivo e pasto, em pequenas parcelas delimitadas por muros de pedra solta que, muitas vezes, desafiam a gravidade de tão inclinados. Abundam oliveiras centenárias de troncos largos, difíceis de abraçar, cobertas de um musgo macio,  denso e húmido, que as pinta de um verde vivo até zonas impossíveis de chegar. Uma paisagem verdadeiramente deslumbrante. 








Passada, de largo, a aldeia começamos a descer direito ao vale entrando pelo topo norte. Neste pequeno troço de terra batida com cerca de 2km, praticamente plano, a vegetação muda para zonas densas de pinheiro e percebemos perfeitamente que entrámos no vale pelas longas planícies que se abrem à nossa frente, em pousio nesta altura, de um verde vivo a agradecer as chuvas abundantes que caíram nas semanas anteriores.



Quando o vale aperta para dar entrada no canhão o caminho também estreita para single track e entramos num naqueles mundos fantásticos em que não é permitido entrar o sol por ser frequentado por feiticeiras. Verdadeiramente místico e sombrio este troço é de uma beleza indiscritível. A época permite a conservação de abundante humidade ao nível do solo  o que favorece o aparecimento de tufos enormes de musgo viçoso. No final desta viagem, e no ponto mais baixo do percurso, deparamo-nos com uma floresta de grandes fetos cuja cor castanha avisa o fim do seu tempo de vida. E ao fundo a garganta do Canhão do Vale de Poio. 














A magnitude desta formação faz-nos encolher. As enormes vertentes verticais marcadas de água e vento ao longo de milénios recordam-nos da nossa efemeridade. A subida faz-se por single track aberto de pedra cujo traçado vai permitindo tomar consciência da profundidade do canhão. É uma zona de treino para escaladores. A lentidão e o deslumbramento tomam conta de nós. A zona é percorrida por diversas rotas, pequenas e grandes, que confluem para este estreito. É o espaço perfeito para treinarmos a capacidade de absorção de oxigénio.








Aos 11km aceitámos o desafio de subir a vertente escarpada norte. Fizemo-la por um track de trail. Mais de metade do total da altimetria (225m) foi feito em 700m de inclinação ingreme o que dá para ter uma ideia do que se exige. Mas valeu pena. Por esta razão aconselhamos a fazer este trilho no sentido dos ponteiros do relógio evitando descer este troço que se torna muito perigoso . Existe uma alternativa de regresso a Poios, seguindo em frente, para quem não o quiser fazer. Durante subida fizemos algumas paragens aproveitando para recuperar o folgo e também sentir a dimensão do que nos rodeava.  Cá em cima o cansaço tomava conta das pernas mas a confiança e autoestima era alta. A descida para Poios foi feita pelo lado poente da Serra, em single track com alguns troços de pedra, rodeada pela mesma vegetação rasteira que encontramos no inicio do percurso.












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